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Notícia

O que muda com a Nova Lei de Falências

Alterações entram em vigor em 24 de janeiro, 30 dias após a publicação no Diário Oficial da União

Os empreendedores preocupados com a situação dos seus negócios ganharam um presente justamente na véspera de Natal. O presidente Jair Bolsonaro sancionou no dia 24 de dezembro de 2020 a Lei 14.112/2020, que altera a Lei de Falências. As mudanças entram em vigor em 24 de janeiro, exatamente um mês após sua publicação no Diário Oficial da União.

A redação sancionada será aplicada de imediato aos processos pendentes. Apenas alguns dispositivos não serão aplicados aos processos em julgamento pelo receio de gerar insegurança jurídica, como no caso de apresentação de plano alternativo pelos credores.

A avaliação da área econômica do governo é que as mudanças serão cruciais no período de retomada pós-pandemia para evitar que o patrimônio de uma empresa em dificuldades perca valor. Estimativa da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia é que 3.513 empresas podem entrar em recuperação judicial nos próximos meses, dada a severidade da crise do novo coronavírus. O número é três vezes maior que o esperado num cenário sem choques.

Além de avançar no que tange à recuperação judicial de empresas em dificuldades, o projeto trata, ainda, do parcelamento e do desconto para pagamento de dívidas tributárias e possibilita aos credores a apresentação de plano de recuperação em alguns casos. Na avaliação dos especialistas, as mudanças devem alavancar a recuperação extrajudicial - uma saída menos custosa e mais ágil tanto para devedores quanto para os credores.

O texto tem origem no Projeto de Lei 4.458/2020, aprovado pelo Senado no final de novembro. A sanção presidencial era aguardada há 20 dias (desde o dia 4 de janeiro). Ainda que contenha vetos polêmicos, a modernização da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) é encarada como um avanço importante no Brasil.

O sócio fundador do Martins Rillo Advogados e presidente da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da OAB/RS, Roberto Martins, sustenta que o grande trunfo da Nova Lei de Falências é a consolidação de várias decisões já tomadas pelos tribunais, ou seja, da jurisprudência. "Foi dada uma chancela a entendimentos que os tribunais já vinham colocando em prática. Na realidade o que a nova lei traz, na maioria dos casos, é mais segurança jurídica. Para o bem de todos - credores e devedores -, os tribunais já estavam há algum tempo interpretando a legislação de uma maneira mais arrojada do que o texto em si previa", diz Martins.

Para a sócia de TozziniFreire e especialista em Reestruturação e Recuperação de Empresas, Liv Machado, as alterações irão fomentar a recuperação extrajudicial - quando devedores e credores tentam entrar em um acordo sem que seja preciso a intervenção da Justiça. Com grande potencial para desafogar o poder Judiciário, o mecanismo, agora, pode ser adotado com quórum de aprovação de 50%. Anteriormente, era exigida a validação de 66% (3/5) dos credores.

O processo de falência também deverá ser menos moroso do que é hoje. A expectativa é que o processo de falência se dê em seis meses. Hoje, leva de dois a sete anos. Enquanto isso, o nome do empresário fica vinculado ao insucesso do negócio. "Se não houve crime falimentar, libera o CPF. Esse é o grande gol da lei" na opinião de Roberto Martins.

De forma geral, para o sócio e coordenador da área de Reestruturação e Insolvência do escritório Souto Correa, Luis Felipe Spinelli, a nova proposta aprimora a lei vigente, garantindo maior previsibilidade e confiabilidade aos processos de falência. O mecanismo de "fresh start" permitirá a reabilitação do falido caso queira investir em uma nova atividade empresarial. Isso irá "possibilitar um mais rápido regresso do falido às atividades empresariais", destaca Spinelli.

Para Liv, é preciso comemorar também a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação alternativo em alguns casos. A empresa devedora, que entra com o pedido de recuperação judicial, tem até 60 dias para apresentar seu plano, caso contrário os credores podem assumir o protagonismo nessa negociação. "Além disso, se o plano for rejeitado em assembleia, em vez de ser decretada a falência da empresa como era antes, é possível lançar mão dessa alternativa para salvar o negócio", complementa a especialista.

Vetos à Lei de Falências levam preocupações ao mercado

É praticamente impossível encontrar algum comentário integralmente contra as mudanças na Lei de Falências. Há um consenso em torno da necessidade de modernizar a Lei 11.101 após 15 anos da sua entrada em vigor. Porém, alguns vetos ao projeto original feitos pelo presidente Jair Bolsonaro têm gerado discussões e, até mesmo, algumas críticas à Lei 14.112, que passa a valer a partir deste mês.

Um dos pontos que mais preocupa os especialistas é o veto aos dispositivos que estabeleciam que, na hipótese de o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial, o objeto estaria livre de qualquer ônus e não haveria sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. A insegurança jurídica gerada pela transmissão dos ônus de um determinado ativo a quem adquiri-lo coloca um sinal de alerta sobre esse tipo de transação.

Roberto Martins, sócio fundador da Martins Rillo Advogados e presidente da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da OAB, destaca que este é o veto mais observado pelo mercado. "Alguns fundos especializados ficam preocupados com isso. A partir de agora, a compra de ativos terá que ser analisada minuciosamente caso a caso para determinar se vale a pena ou não", orienta.

Para ele, a preocupação com a questão ambiental carregou todos os demais pontos. De acordo com a redação original, o objeto da alienação estaria livre de qualquer ônus e não haveria sucessão do arrematante "nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista".

Na visão do governo, a medida contraria várias previsões legais, desde questões ambientais até as obrigações de natureza anticorrupção, "haja vista que a excepcionalidade criada está em descompasso com os direitos fundamentais à probidade e à boa administração pública, além de ir de encontro ao interesse público".

Outro ponto vetado é o que permitia a suspensão da execução das dívidas trabalhistas. Nesse caso, a sócia de TozziniFreire e especialista em Reestruturação e Recuperação de Empresas, Liv Machado, concorda com a sua retirada e diz que o trecho poderia gerar insegurança jurídica. Para Liv, a redação original ampliava a suspensão das obrigações trabalhistas aos corresponsáveis - aquelas empresas que não necessariamente guardavam relação com a empresa em processo de recuperação judicial.

Também foi excluída a parte do texto aprovado pelo Congresso que previa que não se sujeitariam aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço. No caso dos produtores rurais, Liv chama atenção para a necessidade de seguir regras mais complexas na hora de entrar com pedido de recuperação. "Antes, os tribunais acatavam os pedidos com exigências mais enxutas", salienta a especialista.

Dois dispositivos foram vetados por falta de estudo do impacto financeiro. Foi o caso da previsão da renegociação de dívidas de empresas em recuperação judicial, em que a receita obtida pelo devedor não seria computada no cálculo do PIS, do Pasep e da Cofins, que são tributos federais. Na visão do governo, a medida acarreta renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de despesa obrigatória e sem estimativa de impacto orçamentário e financeiro.

O item que tratava da recuperação das cooperativas médicas também foi vetado, com a argumentação de que a previsão feria o princípio da isonomia em relação às demais modalidades societárias. As razões dos vetos foram encaminhadas ao Congresso Nacional. O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, ou seja, ainda em janeiro, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados federais e senadores. Se o veto não for mantido, o projeto será enviado para promulgação ao presidente da República.

Brasil adota normas globais de insolvência transnacional na atualização do texto

Com a inclusão de parâmetros para a insolvência transnacional, o País adota o texto da lei modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral). O Brasil passa a figurar entre os países com o mais moderno sistema de insolvência do mundo, o que aprofunda a cooperação internacional.

O dispositivo deve facilitar a cooperação entre juízes e autoridades nacionais e estrangeiras, a exemplo do que já ocorre nos Estados Unidos, Austrália e Singapura, entre outros. É o que projeta Liv Machado, sócia de TozziniFreire e especialista em Reestruturação e Recuperação de Empresas. "O Brasil já era um dos países cujo processos de recuperação abertos aqui eram reconhecidos lá fora. Mas o contrário ainda não podia acontecer", lembra a especialista.

De acordo com as novas normas, o juiz poderá comunicar-se diretamente com autoridades ou representantes estrangeiros e solicitar informação e assistência, sem a necessidade de expedição de cartas rogatórias, de procedimento de auxílio direto ou de outras formalidades semelhantes. Além disso, permitem expressamente que credores estrangeiros participem de processos de insolvência no Brasil em igualdade de condições.

. Também criam um procedimento de reconhecimento, no Brasil, de processos estrangeiros de cunho coletivo relativos à insolvência, permitindo que os ativos do devedor localizados no Brasil e interesses dos credores sejam protegidos concomitantemente ao desenvolvimento do procedimento no exterior.

Dentre outros efeitos, o reconhecimento pelo juiz brasileiro do processo estrangeiro tido como principal (onde se encontra o principal centro de interesses do devedor) acarretará de forma automática a suspensão do curso de quaisquer processos de execução ou de quaisquer outras medidas individualmente tomadas por credores relativas ao patrimônio do devedor (“stay period”). Caberá ao juiz adotar, ainda, outras medidas de natureza acautelatória visando proteger os bens dos devedores e interesses dos credores, seja em processos estrangeiros qualificados como principal ou não principal.

Confira as principais alterações trazidas pela Lei 14.112/2020

Stay period

O período de suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor e atos de constrição patrimonial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação, poderá ser prorrogável por igual prazo uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

Bem essencial

O juízo da recuperação é o competente para determinar a suspensão de atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, oriundos de execuções fiscais, inclusive.

Apresentação de plano alternativo pelos credores

Os credores poderão apresentar proposta alternativa ao plano apresentado pelo devedor em duas hipóteses: se decorrido o prazo do stay period, não houver deliberação acerca do plano; para substituir plano rejeitado em Assembleia Geral de Credores (AGC), desde que não seja possível o cram down, caso em que o administrador judicial abrirá votação para a possibilidade de apresentação de plano alternativo, no prazo de 30 dias.

DIP Finance

O juiz poderá, depois de ouvido o comitê de credores, caso haja sido constituído, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante do devedor, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.

Alienação de UPIs

É expressamente autorizado o leilão eletrônico, presencial ou híbrido e o processo competitivo organizado, promovido por agente especializado ou qualquer outro meio admitido pelo Juízo. A alienação de bens ou outorga de garantia não poderá ser anulada após a consumação do negócio jurídico.

Competência da Assembleia Geral de Credores (AGC)

A AGC terá competência para deliberar sobre a alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor, não prevista no plano de recuperação judicial.

Conversão em equity

A conversão da dívida em capital social passa a ser citada expressamente como meio de recuperação judicial. A lei prevê que não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora ou de substituição dos administradores desta.

Venda integral da recuperanda

Desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições equivalentes àquelas que teriam na falência, a recuperanda será considerada uma UPI.

Tratamento diferenciado aos credores fornecedores

O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades, e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura.

Produtor rural

A regularidade da atividade rural por pessoa jurídica poderá ser comprovada por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou de obrigação de registros contábeis que venha a substituir a ECF, que tenha sido entregue tempestivamente, desde que feita pelos dois anos exigidos pela norma. Caso o produtor rural seja pessoa física, a comprovação pode se dar com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente. Somente estarão sujeitos a recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos acima mencionados.