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Notícia

Concorrência predatória vira preocupação de lojista em shoppings

O aumento de cafés, bares e restaurantes em centros comerciais já leva lojista a recorrer à Justiça para impedir a entrada de players com o mesmo perfil e na mesma área

Quem costuma frequentar shopping centers já pode ter notado que bares, cafés e restaurantes se multiplicaram nos últimos anos em corredores antes dedicados à moda e outros setores.

Estudos indicam que os shoppings precisam mudar o mix de players com mais serviços, entretenimento e opções de alimentação para atender demandas de consumidores.

A consequência é que, se antes havia um café em um corredor de shopping, agora o cliente tem três, quatro opções, e o mesmo se repete para restaurantes e outros setores e serviços.

Evidentemente, o consumidor gosta. Quanto mais variedade, melhor. Agora, tem lojista que está vendo o faturamento despencar com a ‘divisão do bolo’ e fala até em prática predatória.

Um restaurante de comida japonesa foi recentemente à Justiça no Rio de Janeiro contra um shopping que trouxe um outro player com o mesmo perfil a poucos metros de distância.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu, por maioria dos votos, que o centro comercial não agiu corretamente, favorecendo o restaurante.

O shopping recorreu e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) mudou a decisão, alegando que, naquele caso, a exclusividade já havia sido vencida, limitada a um prazo de 60 meses.

Entendeu também que a inauguração do restaurante concorrente não afetou severamente o comerciante reclamante, não ficando configurada situação de desvantagem excessiva.

Um voto, vencido, foi contrário ao shopping nesta decisão, o da ministra Nancy Andrighi. Para ela, o centro comercial não atuou de acordo com boa fé objetiva e houve abuso do direito.

A maioria dos contratos entre shoppings e lojistas não prevê cláusulas de exclusividade na venda de determinado produto ou serviço. Basta ir a qualquer um deles e ver várias lojas de roupas e calçados femininos, masculinos, brinquedos, valendo também para restaurantes, bares e serviços.

O que os lojistas desejam é que os shoppings, na corrida para alugar espaços vagos, especialmente depois da pandemia, sejam mais criteriosos na hora das escolhas.

CASE

O Diário do Comércio conversou com uma lojista, que prefere se manter no anonimato e que saiu há poucos meses de um shopping em São Paulo devido à entrada de vários concorrentes.

O caso é o seguinte. A lojista tinha um restaurante de comida brasileira num shopping no bairro da Mooca. Tudo ia muito bem até que houve uma virada nos negócios.

O shopping decidiu ocupar espaços vazios e trouxe outros três restaurantes com cardápios parecidos, dos quais um deles vendendo pratos pela metade do preço do seu restaurante.

O resultado é que o faturamento da lojista despencou e as dívidas com o shopping, funcionários, fornecedores e bancos começaram a subir. Hoje, estão perto de R$ 800 mil.

“O meu restaurante vendia comida brasileira e os três que entraram tinham alguns diferenciais, um vendia carne nobre, outro não, mas eram todos do mesmo segmento”, afirma.

A entrada dos restaurantes foram acontecendo em um período de três anos. “Reclamamos com a administração do shopping, que informou que todos estavam vendendo”, diz.

No contrato da lojista com o shopping não havia cláusula de exclusividade. “Os shoppings decidem o que e quando trazer”, afirma a lojista, que era destaque da marca na rede.

CONCORRÊNCIA SAUDÁVEL

De fato, consta em contrato que os shoppings têm a liberdade para distribuir as lojas dentro do empreendimento e é normal que seja assim, de acordo com Daniel Cerveira, advogado.

“Só que é esperado que os centros comerciais façam uma distribuição equilibrada de players, que não canibalize, que evite a concorrência predatória”, afirma.

Embora a decisão do STJ, no caso do restaurante japonês, tenha sido favorável ao shopping, o ministro do STJ e relator do caso, Ricardo Villas Bôas Cueva, cita, em sua decisão, que é razoável que o centro comercial fique atento a uma concorrência saudável e benéfica a todos.

“É função primordial dos empreendedores formar uma combinação de lojas que atenda os interesses dos consumidores, pois ninguém gostaria de frequentar um centro de compras somente constituído por lojas de sapatos, por exemplo”, diz Cerveira. É esperado pelos lojistas também, diz o advogado, que os administradores dos templos de consumo não exagerem na instalação de estabelecimentos do mesmo ramo. “A concorrência é saudável e benéfica a todos, porém o excesso, não.”

Cerveira diz ainda que não é fácil os shoppings aceitarem cláusula de exclusividade, até porque eles precisam estar sempre atentos às demandas dos clientes e à rentabilidade do negócio.

“Mas não é incomum. Operações com apelo maior, como marcas que os shoppings têm interesse em ter, conseguem, sim, impor cláusulas de exclusividade por algum tempo.”

RELAÇÃO DESIGUAL

Rodrigo Casaes, advogado especializado em questões do varejo, diz que a relação do lojista com o shopping, em sua grande maioria, sempre foi desigual, com exceção de lojas âncoras.

Quando o caso vai para a Justiça, a Justiça, “de forma preguiçosa”, em geral, diz ele, entende que na relação de duas empresas o que vale é o que está em contrato.

“Só que, na prática, o shopping não aceita quase nada. O contrato é praticamente como o de adesão, no qual o lojista tem de aderir às condições do shopping”, afirma.

A não ser que já exista um planejamento prévio do centro comercial, no momento em que o shopping coloca lojas do mesmo perfil uma ao lado da outra, falta com a boa fé.

Aldo Macri, presidente do Sindilojas-SP, diz que diante dessa situação também cabe ao lojista que vai entrar em um shopping verificar se há possibilidade de concorrência predatória.

“É preciso ter ética em situações como essa. Colocar uma loja que vende o mesmo produto uma ao lado da outra é incabível. Tem de ter cláusula em contrato para evitar isso.”

O que está acontecendo em muitos setores nos shoppings, diz ele, lembra o que acontece em centros comerciais de rua em São Paulo, na concorrência com os camelôs.

“Tem barraquinhas em ruas do Brás, por exemplo, vendendo os mesmos produtos que as lojas com preços menores porque não pagam impostos. Isso é concorrência desleal”, diz.

SUGESTÕES PARA OS LOJISTAS

Para Casaes, considerando que o judiciário “é pouco sensível à situação de fragilidade da loja perante o shopping”, o comerciante deve tomar algumas precauções.

A recomendação do advogado é que o comerciante documente todos os pedidos feitos ao shopping e as negativas dos empreendimentos antes de sua entrada.

“Isso porque, se for discutir algo na Justiça e o juiz entender que o shopping é livre para escolher os players, o lojista tem documentado que, se não aceitasse o que foi colocado, ele não conseguiria entrar no centro comercial.”

Por exemplo, um comerciante do setor de calçados entrou em um corredor pequeno em um empreendimento e pediu para ser exclusivo ali. O shopping informou que não poderia garantir.

“O lojista deve guardar toda a troca de conversas feita por e-mail para poder apresentar à Justiça, em uma eventual discussão judicial, para mostrar que não conseguiu negociar”, diz.

Muitos lojistas em shoppings estão vivendo esta situação, diz, mas estão calados porque sabem que é difícil encontrar amparo legal nessa discussão e ficam desestimulados para ir à Justiça.

“Tanto que a ministra Nancy Andrighi, no caso do restaurante no Rio, foi voto vencido, e o caso terminou favorável ao shopping”.

Para os advogados, o shopping tem a obrigação de delimitar uma organização de atividades de modo que inexista uma competição demasiada entre os locatários.